artigo de JOÃO CARLOS MAGALHÃES da Agência Folha, publicado em 22 de julho, em Santa Maria
"Faltava pouco mais de uma semana para que Suelen, 3, ganhasse perante a Justiça uma nova mãe. Faltava pouco mais de uma semana para que Leila Maria Oliveira dos Santos, 35, realizasse seu sonho de adotar a menina. A tragédia com o Airbus-A320 da TAM, que vitimou a mulher, adiou a união legal.
Nesta semana, Leila iria participar da última audiência do processo de adoção, que tornaria oficial uma relação iniciada há cerca de dois anos e meio, quando as duas se conheceram na ONG Aldeias Infantis SOS, que cuida de crianças carentes, em Santa Maria (301 km de Porto Alegre).
Leila, que na época cursava o quarto semestre de pedagogia da Unifra (Centro Universitário Franciscano), passou a fazer um trabalho voluntário na ONG e se apaixonou pela menina de pele cor de bronze e cabelos lisos de quem cuidava na creche.
A menina Suelen, que havia completado há pouco um ano de idade, tinha sido abandonada pelos pais biológicos.Além de Leila, outras três pessoas ligadas à Aldeias morreram no acidente. Todas iam para um encontro da ONG. Era a primeira viagem da estudante. Ela ganhava cerca de R$ 700 por mês.
"Nem sei o que vai ser agora", diz o zelador Ademar Kessler, cunhado da morta, em frente à casa alugada de madeira onde ela morava, na periferia da cidade gaúcha.
De acordo com o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), o destino de Suelen não cairá necessariamente em um limbo jurídico. A lei permite que, mesmo morta, uma pessoa se torne, legalmente, mãe ou pai de alguma criança. A única condição é que o adulto tenha, em vida, demonstrado o desejo de adotar. É a chamada adoção "post mortem".
Devido à relação da menina com a estudante antes do acidente, Suelen já estava na fase de adaptação, essa possibilidade é dada como certa.
"A família terá que demonstrar interesse ou o Ministério Público pode interceder para que a criança fique com os parentes do morto", afirma Luciano Barcelos Couto, juiz substituto da Vara da Infância e da Juventude de Santa Maria.
Uma vez terminado o procedimento legal, a criança consegue, na Justiça, o status de filha biológica, e pode ficar com quem a família de sua nova mãe decidir.
Segundo Kessler, os próprios familiares darão continuidade ao processo de adoção e a avó será provavelmente quem ficará com ela.
Agora, é apenas o cunhado que fala com a imprensa pela família. A irmã e a mãe de Leila não falam mais com jornalistas. A cada vez que alguém liga querendo saber notícias dela, uma nova crise de choro começa. Celina, a mãe, chegou a ir para um hospital devido a uma crise nervosa na última sexta.
Para Suelen, pouca coisa mudou em seu cotidiano. Por enquanto, acha que mamãe foi viajar e voltará só no domingo. Além de brincar, continuou na semana passada indo para a creche que freqüenta todos os dias, a poucas quadras de casa.
"Às vezes, ela [Suelen] estranha ter tanta gente triste em casa e todo esse movimento", diz Kessler. "Quando alguém começa a chorar, colocamos ela para brincar com um gurizinho da vizinhança e fechamos a porta do quarto."A viagem da futura mãe talvez demore um pouco mais do que a dos outros mortos no acidente. Até a noite de sexta-feira, seu corpo ainda não havia sido reconhecido. "